"A Parábola dos Talentos", século XVII. Willem de Poorter |
REF. várias passagens
"O Senhor, contudo, disse a Samuel: "Não
considere sua aparência nem sua altura, pois eu o rejeitei. O Senhor não vê
como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração" (I
Samuel, 16:7).
A passagem citada, do Velho Testamento, foi extraída do
trecho em que Jeová manda Samuel escolher seu sucessor entre os sete filhos de
Jessé. Samuel julgava que o eleito seria dos mais fortes e de mais belo
parecer. No entanto, foi escolhido David, rapazito ainda, que logo depois
prostrou o gigante Golias com uma pedra atirada por uma funda.
Eis um belo tema de meditação. Influenciados, a todo
passo, pelas opiniões da sociedade materialista em que vivemos, somos levados a
avaliar as coisas segundo suas aparências, quando Deus nos solicita buscar os
valores internos.
Na antiga Grécia o conceito de elite era mais correto. Os
realmente mais sábios e virtuosos pontilhavam na vida política, científica,
artística e social. Sabemos que Xantipa, esposa de Sócrates, tinha violentas
discussões com o sábio, porque ele trazia fama e não dinheiro para casa. Ainda
hoje existem pessoas de grande valor, em todos os campos, que mal ganham para
suas necessidades. Poucos são os que se guindam na opinião pública, como
Einstein e Schweitzer (Albert Schweitzer foi um teólogo, músico, filósofo e
médico alemão; foi laureado em 1952 com o Prêmio Nobel da Paz, como humilde
homenagem a um "grande homem").
Heróis anônimos, aos milhares, estão por aí, participando
da elite de Deus, mas, não da dos seres humanos. Todos os dias vemos falsos
destaques serem agraciados por falsas honrarias. E, como dizem os Evangelhos:
"quem já recebeu seu galardão dos seres humanos, nada tem a receber de
Deus" (Mt 6; 2).
Não podemos negar que o simples fato de um indivíduo se
diplomar médico, engenheiro, etc., pressupõe esforço e mérito individual; que
para chegar a determinado posto deve ter provado o desenvolvimento de
qualidades incomuns, a menos que se haja guindado por apadrinhamento. Mas não
basta isso. A conquista de maiores faculdades ou bens sejam quais forem suas
naturezas, se de um lado acarreta mérito individual, de outro lado atrai
maiores responsabilidades, porque "a quem muito foi dado, muito lhe será
exigido" (Lc 12; 48). O uso que fará então, das faculdades ou bens que
conquistou é que provará seu verdadeiro valor perante Deus. "De que vale
ganhar o mundo e perder sua alma? " (Mc 8; 36).
O abuso de autoridade, faculdades e propriedade tem
trazido muito sofrimento à humanidade. Somos apenas despenseiros dos bens que o
Senhor põe a nossa disposição. Veja-se na parábola dos talentos (Mt 25; 20-25)
em que o Senhor "deu mais ao que multiplicou seus talentos e tirou o único
que tinha dado ao que, por medo de perdê-lo, o havia enterrado". A Fama, o
Poder, o Dinheiro e o Amor são os meios mais usados atualmente pelos Senhores
do Destino para adiantar a evolução humana. Por um deles somos capazes dos
maiores sacrifícios, vidas inteiras. Mas quem é capaz de renunciar a si mesmo e
servir os demais com o mesmo entusiasmo?
Sem exigir tanto, quantas pessoas se dedicam diariamente
à prática de virtudes cristãs, pelo menos duas horas? Ou quem ora sinceramente
meia hora por dia?
- Não tenho tempo! – é o que ouvimos constantemente. E
lembramo-nos daquela passagem: "onde está o teu tesouro, ali está o teu
coração" (Mt 6; 21).
Sabendo isso e não exigindo mais do que podem dar os
seres humanos, os Senhores do Destino lhes apresentam os incentivos: da Fama,
do Poder, do Dinheiro e do Amor. Em sua conquista tudo fazem e nesse esforço,
sem o saberem, vão desenvolvendo qualidades de confiança própria, de
persistência, de luta, que mais tarde serão aproveitadas num sentido superior.
Quanto ao mau uso que agora fazem disso tudo, sofrerão inevitavelmente as
consequências, e seus efeitos saturninos far-lhes-á crescer a alma, pela dor.
Muito mais, contudo, fará o que com o mesmo empenho
constrói o mundo para servir seus semelhantes dos mais variados modos,
administrando os bens e faculdades com perfeita renúncia de si mesmos. Estes
crescerão muito e depressa, recebendo, com toda certeza, progressivamente mais,
para verter no mundo, os recursos de Deus, pela evolução de Seus filhos
menores.
Cuidemos, pois, de avaliar devidamente as coisas e as
pessoas. Muitas vezes o vidro brilha mais do que um diamante bruto. Melhor é
não nos iludirmos com as aparências e buscarmos em todos "a divina
essência que existe em cada um, pois, isto constitui a verdadeira
fraternidade". Melhor dizendo, encaremos cada semelhante como irmão
espiritual, com suas virtudes e defeitos. Não sejamos servis com os poderosos e
superiores nem déspotas e não fraternais com os inferiores na escala social.
Tratemos a todos com a mesma franqueza, sinceridade, amor e prudência, cuidando
de merecer, por nossa conduta equânime e coerente, a graça de nos tornarmos
dignos de sermos "fiéis administradores dos bens do Senhor".
Publicado na revista Serviço Rosacruz, de maio de 1966
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