18 de nov. de 2018

O Evangelho de São João e a Ressurreição de Lázaro


O Cristianismo desempenha um papel único, incisivo e capital na história da humanidade. É de certa forma, o ponto central de retorno entre a involução e a evolução. Dai que sua luz seja tão resplandecente

Em nenhuma parte se encontra esta luz tão viva como no Evangelho de São João. E, em verdade, pode dizer-se que é nele tão somente que aparece com toda sua força.No entanto, não é assim que a teologia contemporânea concebe este evangelho.

Do ponto de vista histórico ela a o considera como inferior aos três evangelhos sinóticos, e até há quem o suspeite de apócrifo. O mero fato de que sua redação tenha sido atribuída ao segundo século depois de Jesus Cristo, fez com que os teólogos e as escolas de crítica o considerassem uma obra de poesia mística e de filosofia alexandrina. Em compensação, o Ocultismo considera o Evangelho de São João de modo muito diferente.

Durante a Idade Média existiu uma série de fraternidades que viram no Evangelho de São João o seu ideal e a fonte principal da verdade cristã. Essas fraternidades chamavam-se, os Irmãos de São João, os Albigenses, os Cátaros, os Templários, os Rosacruzes. Todos eram ocultistas práticos e faziam deste Evangelho sua Bíblia. Pode admitir-se que as lendas do Santo Graal, de Parsifal e de Lohengrin tenham saído dessas fraternidades, como sendo a expressão das suas doutrinas secretas.
Todos esses irmãos de diversas Ordens consideravam-se os precursores de um cristianismo individual do qual possuíam o segredo e cujo pleno desenvolvimento e florescimento estavam reservados ao futuro. E este segredo só era encontrado no Evangelho de São João.

Encontravam ali uma verdade eterna, aplicável a todos os tempos, uma verdade que regenerava a Alma totalmente, desde que fosse vivida nas profundidades do próprio ser. Não se lia, então, o Evangelho de São João como se fosse um escrito literário, mas como servindo de instrumento místico. A fim de compreendermos aquela verdade eterna, teremos que nos abstrair momentaneamente do seu valor histórico.
Os primeiros quatorze versículos deste Evangelho representavam para os Rosacruzes objeto de uma meditação quotidiana e de um exercício espiritual. Atribuia-se-lhes um poder mágico que realmente tem, para os ocultistas.

Eis aqui o efeito que produzem, pela repetição constante, sem se cansar: feita sempre à mesma hora todos os dias se obtém a visão de todos os acontecimentos que conta o Evangelho podendo ser vividos interiormente.

É assim que, para os Rosacruzes, a vida de Cristo significava o Cristo ressuscitando do fundo de cada Alma. Ademais, acreditavam naturalmente na existência real e histórica de Cristo, porque, conhecer o Cristo interior, significa reconhecer igualmente, o Cristo exterior.

Um espírito materialista poderia dizer atualmente: O fato de que os Rosacruzes tenham tido essas visões, prova porventura, a existência real de Cristo? A isso responderia o ocultista: - Se não existisse o olho para ver o Sol este não existiria, mas se não houvesse o Sol no céu, tão pouco poderia existir o olho para vê-lo, posto que foi o sol que construiu o olho no decurso dos tempos para que pudesse perceber a luz. Similarmente o Rosacruz diria: - o Evangelho de São João desperta os sentidos internos, porém, se não existisse um Cristo vivente, seria impossível fazê-lo viver dentro de si mesmo.

A Obra de Jesus Cristo não pode ser compreendida na sua imensidade profunda, a não ser estabelecendo as diferenças entre os antigos mistérios e o Mistério Cristão.
Os mistérios antigos celebravam-se em Templos-escolas. Os iniciados, pessoas que haviam despertados tinham aprendido, igualmente, a obrar sobre o seu corpo etérico e, portanto, eram "duas vezes nascidos" porque sabiam ver a verdade de dois modos: diretamente pelo sono e pela via astral, e indiretamente, pela visão sensível e lógica. A iniciação pela qual tinham que passar se chamava: Vida, Morte e Ressurreição. O discípulo passava três dias no túmulo, em um sarcófago, dentro do Templo; seu espírito ficava liberto do corpo, porém ao terceiro dia, respondendo à voz do Hierofante, seu espírito voltava para o corpo, retornando dos confins do Cosmos, donde conhecera a Vida Universal.

E assim, transformado, era "duas vezes nascido".

Os maiores autores gregos falaram com entusiasmo e sagrado respeito destes mistérios.

Platão chegara a afirmar que somente o Iniciado merecia o qualificativo de "homem". Mas, esta iniciação encontrou em Cristo, o seu verdadeiro coroamento.

O Cristo é a Iniciação condensada na vida suprassensível, assim como o gelo é água solidificada. O que se via nos mistérios antigos se realizava historicamente em Cristo, no mundo físico. A morte dos iniciados não era mais que uma morte parcial no Mundo Etérico. A morte de Cristo foi uma morte completa no Mundo Físico.
Pode considerar-se a ressurreição de Lázaro como um momento de transição com um passo da iniciação antiga para a iniciação Cristã.

No Evangelho de São João, o próprio João só aparece depois de se mencionar a morte de Lázaro.

"O discípulo que Jesus amava", era, também, o maior dentre todos os iniciados. Foi aquele que passou pela morte e a ressurreição, e que ressuscitou ante a voz do Cristo mesmo.

João  é o Lázaro "saído" do túmulo depois de sua iniciação. São João vivera a morte de Cristo. Tal é a mística via que se oculta nas profundidades do Cristianismo.

As Bodas de Canaã, cuja descrição se lê igualmente neste Evangelho, encerram um dos mais profundos mistérios da história espiritual da humanidade. Referem-se às seguintes palavras de Hermes: "O que está acima é igual ao que está abaixo". Nas Bodas de Canaã, a água se transformava em vinho. A este fato dá-se um sentido simbólico e universal que é o seguinte: no culto religioso, o sacrifício da água era substituído por algum tempo, pelo sacrifício do vinho.

Houve um tempo, na história da humanidade, em que não se conhecia o vinho. Só nos tempos "védicos”, conheciam-no. Pois bem, enquanto o homem não bebera líquido alcoólico, a ideia das existências precedentes e da pluralidade das vidas, era uma crença universal, da qual ninguém duvidava.

Desde que a humanidade começou a beber vinho, a Idea da reencarnação foi-se obscurecendo rapidamente, acabando por desaparecer de todo da consciência popular. E tão somente os iniciados conservaram-na, porque se abstinham de beber vinho.

O álcool exerce sobre o organismo uma ação particular, especialmente sobre o Corpo Etérico, onde se elabora a memória. O álcool veda esta memória obscurecendo-a em suas profundidades íntimas. O vinho faz procurar o esquecimento segundo se diz, porém, não é somente um esquecimento superficial e momentâneo, senão um esquecimento profundo, duradouro; um obscurecimento verdadeiro da força da memória no corpo etérico. Poe este motivo, quando os homens começaram a beber vinho, foram perdendo, pouco a pouco, o sentimento espontâneo da reencarnação ou renascimento.

A crença no renascimento e na lei do carma, tinha uma influência poderosa, não só sobre os indivíduos como sobre o seu sentimento social. Esta crença fazia-lhes aceitar a desigualdade das condições humanas e sociais. Quando o infeliz obreiro trabalhava   nas Pirâmides do Egito, quando o hindu da última casta esculpia os templos gigantescos no coração das montanhas,dizia-se que outra existência o recompensaria pelo trabalho suportado. Que seu amo já havia passado por provas similares, se era bom, ou que passaria mais tarde por outras mais penosas, se era injusto e mau.

Ao aproximar-se o Cristianismo humanidade tinha que atravessar uma época de concentração sobre a obra terrestre. Era-lhe necessário trabalhar para o melhoramento da vida, pelo desenvolvimento do intelecto, do conhecimento racional e cientifico da Natureza. A consciência da reencarnação devia, pois, perder-se durante dois mil anos, e o que se empregou para obter tal objetivo foi o vinho.

Tal é a origem do culto de Baco, deus do vinho e da embriaguez, (forma popular do Dionísio dos Antigos Mistérios que, entretanto, possui outro sentido). Tal é, também, o sentido simbólico das Bodas de Canaã. A água servia para os antigos sacrifícios, e o vinho para os novos. As palavras de Cristo: "Felizes aqueles que não viram e que, entretanto, acreditaram", se aplicam à nova era em que o homem entregue por completo à sua obra terrestre, não tinha a lembrança das suas vidas anteriores, nem a visão direta do Mundo Divino.

O Cristo nos deixou um testamento na cena do Monte Tabor, na Transfiguração que teve lugar diante de Pedro, Tiago e João. Os discípulos viram-no entre Elias e Moisés. Elias representava o CAMINHO DA VERDADE; Moisés a VERDADE mesma, e o Cristo a VIDA que resume ambas. Por isto só ELE podia dizer: “EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA’’”.

Assim, tudo se resume e se concentra, tudo se aclara e se intensifica, tudo se transfigura em Cristo. O Evangelho de São João remonta o passado da Alma Humana até sua mesma fonte e prevê seu futuro até sua confluência com Deus, porque o Cristianismo não é somente uma força do passado, mas também, uma força do futuro.

Com os Rosacruzes, o novo ocultismo ensina o Cristo Interior em cada homem, e o Cristo futuro em toda a Humanidade.
traduzido da revista Rays from the Rose Cross para 
revista Serviço Rosacruz de março de 1973