12 de jul. de 2020

O Outro Discípulo

R. T. Oakley. Rays from the Rose Cross – tradução de Marcos Korol

Conhecemos a história da escolha dos doze discípulos por Cristo, mas o conto de um desses escolhido, quem a princípio não veio, mas quem finalmente respondeu ao chamado não é escrito em papel nem pergaminho, não é achado nas histórias do mundo, nem retratado nos evangelhos, ainda que o registro exista nos reinos mais altos, e agora está sendo colocado perante você. Se traz conforto e refresca o cansado, se cura uma ferida, ou se fortalece o fraco, então nós somos amplamente recompensados pelo tempo e trabalho que tomou trazê-la de sua obscuridade. Este relato veio no “Frescor da Manhã”, enquanto naquele vale maravilhoso de São Fernando, o Vale dos Jardins, em um acampamento embaixo das árvores de pimenta, com o céu no leste assumindo a cor de uma rosa vermelha brilhante, sombreado ao sul com um magenta leve, e finalmente sombreado num tom de lilás, enquanto ao nordeste surgem os sopés das Montanhas banhados num lindo e etéreo azul, com seus contornos distintos tornando-se nítidos contra um fundo de açafrão amarelo-laranja, que conforme mudam para um sombreado mais leve, anunciam a chegada da magnífica Estrela do Dia em toda sua glória.

O MEIO-DIA
Nos dias de Tibérius César, quando Poncius Pilatus era governador da Judéia, e Herodes tetrarca da Galiléia, a fama de João, o filho de Zacharias, o rabino, estendia-se da costa à Jordânia, do Mar da Galiléia ao Mar Morto, e das cortes de Herodes a Jerusalém. A ele vinha a multidão dizendo: “És tu o Cristo? ” e sua resposta era: “Eu não sou Ele, porque eu vos batizo com água, mas Ele há de vos batizar com fogo.” Isto levou vários embora, alguns em decepção, outros em zombaria.

A notícia dos ensinamentos de João chegou ao pequeno povoado de Nazaré, nas colinas da Galiléia, de onde veio Jesus, o filho de Maria e de José, o carpinteiro, em busca de João, seu parente, e ali no pequeno povoado de Betânia a oeste do rio Jordão, perto do córrego de Kedron ele achou-o batizando a muitos. Entre os presentes estava Matias que procurou a Jesus e o indagou dizendo: “O que deve-se fazer para ser salvo? ”, e a resposta foi; “Deixe tudo e me sigas. ” Matias respondeu: “Minhas terras e riqueza eu alegremente deixaria por Ti, mas eu tenho a promessa de tomar como noiva a mais doce donzela de toda a Judéia, e você conhece a grande lei de que o primeiro dever é de povoar a Terra para que a semente de Abraão se espalhe como as areias do mar. Portanto qual mandamento devo seguir? Seguramente Tu não gostarias de me ver quebrando meu juramento perante Miriam e a lei. ” A resposta, “Se tu desejares ser meu discípulo, deves escolher entre mim e teu terreno amor”, levou o rapaz a prostrar-se enquanto ele ainda defendia sua causa: “Perdoa-me, Rabino, mas seguramente seu amor foi dado a mim por Deus com algum grande propósito, e sendo assim então como posso negligenciá-lo para seguir a Ti, pois esta é a coisa mais doce e pura na terra. E o que são todo o ensinamento, conhecimento e sabedoria comparados ao amor? Eu não posso abandoná-la”. O tom macio, doce e compassivo de sua voz em resposta a esta última questão encheu toda a atmosfera ao seu redor com uma mística doçura: “Vá a teu terreno amor, para tua flor que está para florescer, e mais tarde tu saberás e entenderás o AMOR MAIOR, um amor que não é medido por padrões terrenos, pois este é o presente d’Aquele que era antes de tudo”.

Este é o relato daquele que foi escolhido, mas que não atendeu a princípio, pois nós vemo-lo tomar a estrada a Arimathea, deixando Cristo Jesus em Betânia, só e triste.

O país que se aproxima de Arimathea pelo Sudeste tem bosques extensos de oliva e figueiras, vinhas também numerosas bem regadas por nascentes de águas claras e frias, e é aqui que encontramos o lar de Matias, o “outro discípulo”. A festa do casamento está em seu ponto alto, com uma grande assembléia de convidados e um generoso banquete. A alegria e felicidade estão em toda parte, pois este é um casamento verdadeiro e não meramente um dar-se em casamento. Miriam, a noiva, uma pura donzela judia, tem a graça de um lírio em forma, o creme da rosa em cor, a beleza do jacinto azul em seus olhos e a doçura da violeta no seu coração. A testa alta, o nariz proeminente, os olhos cinza claros, e os lábios sensíveis e delgados do noivo proclamam-no imediatamente ser um sábio e aluno da verdade, um investigador da luz. Verdadeiramente ambos bem-favorecidos por Deus, e quando ele dá uma olhada nela, sente que seu desejo está realizado, seu fim alcançado, ainda que tão pouco ele compreenda que este seja o último acontecimento da vida velha e o precursor de uma nova, o ponto de transição, o emergir de uma classe em outra.

 Certamente Miriam é rainha de rainhas; o seu coração está pleno, ele está satisfeito com sua escolha, mas ainda assim, o que é este sentimento estranho? Ele deve estar só, e então procura a solidão dos jardins com suas fontes de borrifo prateado enquanto a lua derrama os raios refletidos do sol sobre eles de cima. Aqui ele luta corpo a corpo com este “algo” que vem de fora da calma da noite para atormentá-lo em sua hora de alegria. O que é este sentido de algo ausente, algo evasivo, aquele marte em sua felicidade perfeita, um ansiar por algo desconhecido, que ele teve uma vez mas perdeu? Enquanto tenta resolver este novo problema que veio a ele, vê Miriam observar seu novo senhor e mestre. A donzela repentinamente tornou-se uma mulher lutando para si própria, como ela intuitivamente sabe que aquele “algo” maior do que ela entrou em sua vida, e então vai a ele, suplicar para que lhe diga o que surgiu em seu coração que tende a estragar a felicidade perfeita entre eles. Então ele conta a ela sobre seu encontro e palavras com o Cristo.

Somente aqueles que experimentaram estas coisas, aqueles que sofreram, podem entender o barulho da tempestade se aproximando no coração da jovem noiva. A serpente do ciúme entra neste Jardim de Éden lançando a sua língua relampejante com seu veneno e fúria. Podemos em certa medida, imaginar o conflito causado, mas seu Anjo da Guarda está com ela, e nós vemos a serpente saindo fora, dominada, quando entra em contato com a luz radiante de amor nos olhos de seu marido. Então seu semblante torna-se iluminado com o brilho de um amor respondido. A pureza dos olhos azuis brilha adiante de seus olhos enquanto ela também deseja conhecer este grande Profeta, e esta é a maneira pela qual Miriam ganha sua primeira vitória em sua nova vida.

Vemo-los se apresentar como homem e esposa em harmonia e amor no Monte, ouvindo com êxtase às lindas verdades ensinadas pelo Salvador da Humanidade, pois Ele ensina como alguém que tem autoridade. Testemunhamos com eles a cura do leproso, e a do servo do centurião, e o assombro de Miriam, quando o cego vê e o aleijado caminha. Verdadeiramente este deve ser o Messias. Mas aí vem uma ocasião quando Miriam fica cansada, e eles retornam para casa para descansar, às refrescantes colinas onde a paz e a fartura são abundantes.

A NOITE
 Assim que chegaram em casa, Miriam tornou-se doente com uma forte febre, e os médicos não conseguindo dar alívio, o “outro discípulo” com sua ansiedade aumentando, parte em busca do Curador Divino. Encontra os discípulos em Cafarnaum, mas perde a fé neles quando testemunha o seu fracasso em curar, e o Mestre encontra-se só nas Montanhas. Quanto sofrimento, agonia, e tortura ele sofre ao pensar em sua amada sem ajuda. Por quê o Mestre se foi? Por quê Ele demora? Onde Deus está que permite estas coisas acontecerem? E então quanto êxtase e conforto vêm em seu rosto, quanta gratidão, quando vê o Profeta de Nazareth se aproximar. Agora tudo estará bem, Miriam será poupada, tão grande é a sua fé. Descontroladamente ele se dirige ao Mestre, prostrando-se a seus pés que pleiteando como se estive à beira de um colapso: “Senhor, perdoa meus pecados, salve Mirian, mas me não poupe. Eu te recompensarei, mas eu não posso suportar em vê-la deste jeito”. “Levanta-te, amigo, e sejas forte no Senhor, pois nosso Pai que está no Céu tem necessidade dela, e de ela está agora em viagem a um lugar melhor. Regozijes e não chores, pois, Seus meios são sempre o melhor caminho”. Enquanto O Salvador proferia estas palavras, uma enorme compaixão e amor estiveram com eles, quão bem Ele entendeu esta pequena criança diante Dele! Com a mais suave das ações Ele levantou o homem caído a seus pés.

“O seu Pai e o meu Pai tem um outro trabalho para você fazer, pois aquele amor que era inicialmente focalizado em uma pessoa agora deve ser dado ao mundo faminto, tornar-se universal para você espalhá-lo ao mundo, expandí-lo para incluir todas as pessoas, para levantar o caído, fortalecer o fraco, confortar o sofredor e curar o doente. É o único poder ou força que pode fazer estas coisas. Portanto, filho, agradeça ao Pai por dar a você este privilégio especial, e siga teu caminho em regozijo”.

Novamente nós vemos o “outro discípulo” seguindo o caminho de Arimathea ao sudeste. Enterrou sua amada, e do fundo de sua tristeza e mágoa, sua solidão e vazio, nasce um novo amor. Do útero do problema nasceu a Criança de Luz, porque ele passou a se dedicar ao “serviço ao próximo”.

A seguir nós o vemos cruzando o deserto até que ele chegar ao forte de Macharus, onde o Batista é prisioneiro de Herodes. Após uma entrevista com seu velho Professor nós o vemos nos ricos jardins e pomares secretos do tetrarca da Galiléia, na Montanha do Pequeno Paraíso, o lar de prazeres de Herodes, onde os nobres da corte de Roma com os Sumos Sacerdotes e seus filhos em segredo na noite. Agora ele está diante de Herodes, o Rei dos Judeus, que se reclina em seu sofá de marfim. Os efeitos dos seus últimos pecados são claramente estampados sobre ele, pois seu cabelo e barba são tingidos, a sua carne é repugnante, e em contraste direto com o ambiente, há uma grinalda de rosas murchas e moribundas sobre a sua cabeça, pois o puro não pode coexistir com o vil. Mas os olhos são ainda flamejantes e ele ainda tem a astúcia de uma raposa. Ante este espetáculo repulsivo o “outro discípulo” pleiteia sua causa. “Oh grande rei e regente da Galiléia, todas minhas terras e posses perto de Arimathea, eu te darei se tu deres em retorno a liberdade daquele que é chamado o Batista, que não deseja nenhum reino em teu país, que não fez nada de errado que seja digno de encarceramento, e só deseja ensinar o povo a viver melhor”. Herodes estava prestes a responder quando Herodias cochichou-lhe e este então com um sorriso doentio pede ao “outro discípulo” que voltasse no outro dia que ele então o ouviria melhor sobre esta questão, mas que agora estava ocupado com outro negócio. Durante toda a noite, Herodias permanece acordada, planejando que o Batista não deveria escapar, e assim no dia seguinte, quando Herodes concedeu a sua filha Salomé qualquer petição que ela pudesse fazer, a cabeça de João foi exigida, e Herodes submeteu com a petição. O discípulo não tinha conseguido salvar seu Professor.

Logo vemos “outro discípulo” indo procurar a hospitalidade dos moradores do deserto, pois isto o levou de volta ao lar daquela a quem ele tinha amado; mas agora nenhuma tristeza ou dor está ali, só a lembrança daquele puro amor terreno.
No curral com os pastores nós o vemos partilhando sua humilde refeição e escutando a seus contos de atrocidades praticados pelos soldados de Herodes.


Vemo-lo viajar ao longo do vale da Jordânia, em direção às colinas da Judéia e Galiléia e às montanhas de Moab e Gileade. Assim que ele vê o córrego, com os capinzais da Jordânia ao longo de seus bancos com doze a quinze pés de altura, suas plumas imensas que se deitam sob rajadas de vento e que mostram sua beleza após a passagem do vento, podemos entender como ele ama esta região, pois este foi o lar escolhido pelo seu primeiro Professor, aquele a quem ele não tinha conseguido salvar. Aqui estava ele, onde tinha aprendido as primeiras grandes verdades da vida. Quantas memórias maravilhosas misturadas com tristeza vêm a ele!

Agora ele chega ao “amha-arets,” povo da terra, os fazendeiros e camponeses, e mais tarde nós o vemos entre as plantações de azeitona, sendo que a azeitona é o produto principal da Palestina; é a manteiga e a carne do povo humilde. As oliveiras dão a beleza à terra com sua folhagem verde, que tem um brilho prateado no lado de baixo e flores minúsculas de prata cobrindo a Árvore inteira.

Finalmente alcança o Mar da Galiléia. Deve-se ir aí para realmente apreciar a beleza deste mar de Tiberias, cercado por montanhas e sujeito a repentinas tempestades. Chegando enfim ao seu destino ao norte, onde o rio Jordão o recebe com suas águas frescas e frias, ele encontra o Filho do Homem, e torna-se uma testemunha ocular de Seus feitos.

O AMANHECER
Ele está presente na alimentação dos cinco mil e na cura do lunático. É ele que proporciona o jumentinho, para o transporte do Mestre. Com que alegria e entendimento ele escuta à parábola da peça “Vestido de Bodas”. Nós o vemos ocupado preparando o cenáculo para a Santa Ceia, e mais tarde ele está com todos no Monte das Oliveiras. Está ombro a ombro com Nicodemus em sua luta por Jesus de Nazareth perante o Sinédrio, a Corte Suprema, com os Sacerdotes e Anciões, e mais tarde alista-se em ajuda à esposa de Pilatus, em favor de seu Senhor, mas em vão, pois a Lei deve ser cumprida.

Após a crucificação ele cuidou do corpo de Jesus com José de Arimatéia, seu parente, como fez com o corpo de João, e está presente com Cleopas quando Cristo aparece a eles na estrada a Emmaus. Achamo-lo enumerando-se com os poucos que permaneceram fiéis, e então, quando a escolha do apóstolo a tomar o lugar de Judas ocorreu, pela primeira vez nós o ouvimos. Era ele quem fora novamente escolhido pelo Senhor, pois a maioria o havia indicado, e desta vez o escolhido aceitou o chamado. O Amor terreno que tinha sido sua pedra de tropeço havia se transmutado em um amor universal, e O CHAMADO FOI RESPONDIDO. O discípulo havia encontrado o caminho de volta ao lar de seu Pai.