REF. Lucas cap. 1 - vers.1 a 5
1.
Tendo muitos empreendido fazer uma narração coordenada dos fatos que entre nós
se realizaram,
2.
como no-las transmitiram os que foram deles testemunhas oculares desde o
princípio e ministros da palavra,
3. também a mim — depois
de haver investigado tudo cuidadosamente desde o começo pareceu-me bem,
excelentíssimo Teófilo, dar-te por escrito uma narração em ordem,para que
conheças a verdade das coisas em que foste instruído.
Os evangelhos não têm a intenção de meramente apresentar
a biografia de Jesus Cristo. Esse é apenas o seu aspecto externo, as suas
vestiduras. No sentido oculto, nas entrelinhas, há um caminho de regeneração,
uma fórmula iniciática, para ser conscientizada e vivida interna e
individualmente. Eis o sentido de: "A letra mata, mas o espírito
vivifica", isto é, o sentido literal da mensagem acaba nos cristalizando,
mas o espírito da letra, o sentido oculto, a mensagem das entrelinhas, lá está
a desafiar-nos, para desdobramentos de consciência cada vez mais amplos. Os
evangelhos são livros misteriosos, cheios de alegorias e chaves. Por isso é que
o Mestre pregava por meio de parábolas "aos de fora" e depois
explicava o sentido delas "aos que estavam na casa", aos discípulos.
Assim fazia, para que, "ouvindo, não ouvissem", isto é, não apanhas
sem o sentido mais profundo quando não estivessem preparados para digeri-lo.
Ele sempre terminava suas prédicas, dizendo "quem tem ouvidos de ouvir,
ouça; - quem tem olhos de ver, veja".
Deste modo não corria o risco de
"atirar as coisas santas aos cães" nem " jogar pérola aos porcos",
ou seja, àqueles que ainda, como o filho pródigo, comem a comida dos porcos, as
imundícias de uma vida material e impura, que desvirtuam as coisas sãs, que
fariam mau uso de poderes internos. Lembremos que São Paulo recomendava dar
"leite às criancinhas da doutrina (as almas débeis e enredadas em ilusões)
e dar carne aos adultos (as almas fortes e mais livres, movidas por elevados
propósitos e forte vontade).
O Cristianismo é profundo e atende aos mais variados
graus de consciência. Ele será conhecido apenas na "Idade Aquária",
daqui a uns 600 anos. O Cristianismo atual se apresenta, para a maioria, de
forma mui rudimentar. Só uns poucos já o estão penetrando. Quando Nicodemos foi
procurar o Cristo à noite, em busca de instrução, o Mestre lhe disse: "É-vos
necessário nascer de novo, da água e do espírito", isto é, purificar-se
(nascer da água) e iluminar-se (batismo de fogo do Espírito Santo, o
pentecostes). São Paulo refere ao mesmo fato, quando diz: "despojai-vos do
velho ser e revesti-vos do novo ser, em novidade de espírito".
Lucas não intentava apenas oferecer mais uma narração da
vida de Jesus, mas apresentar uma fórmula diferente de Iniciação, ou de
"um novo início, um novo nascimento". Embora o seu evangelho se
assemelhe ao de Marcos e Mateus (por isso se chamam sinóticos, de
"ópticos" — abarcados num só olhar; e "sin" = de conjunto), note-se que nele se dá
realce à humildade, à ternura, à Maria: o nascimento na Manjedoura, a visita
dos pastores, Maria recebendo as mensagens do Anjo, etc... em constraste com Mateus
onde Jesus nasce em sua casa, recebe a visita de Reis Magos, suscita inveja a Herodes,
José recebendo avisos, etc... Um é místico, mais feminino, outro é forte, masculino.
Lucas era grego, médico, de grande cultura, afeito à
pesquisa. Seu nome é abreviatura grega do nome latino Lucianus (nascido da
luz). Deve ter sido iniciado por São Paulo, a quem acompanhou na segunda e
terceira excursões missionárias (At. 16:10-17; 20:5-21),fazendo-lhe também
companhia nos cárceres de Cesaréia e de Roma. Não chegara a encontrar-se
pessoalmente com Jesus. Em suas viagens com Paulo, deteve-se em Éfeso, onde
Maria, a mãe de Jesus se encontrava, em companhia de João Evangelista — o discípulo
amado. De Maria recebeu Lucas muitas informações, sofrendo de outra parte, influência
de Paulo.
A expressão "desde o princípio" tem (segundo o
advérbio grego) dois sentidos: "desde o começo" e "de
novo", ambos cabíveis aqui.
Lucas se dirige a Teófilo. Dá a impressão de que se
refere a alguma personagem ilustre, real e viva àquela época, por causa do
título excelentíssimo. No entanto, a expressão tem outro endereço. Teófilo
significa "amigo de Deus". Excelentíssimo tem o mesmo sentido de quem
diz: "este quadro está excelente". Portanto, Lucas se dirigia a todo
cristão que, no seu tempo ou pelo futuro afora, fosse um "excelentíssimo
Amigo de Deus", isto é, aquele que, no seu viver diário, prefere Deus a
manon - o deus da cobiça. E não só isso é mui excelente Amigo de Deus, fiel em
tudo, às suas leis. Em conclusão, é como se o Evangelista dissesse:
"pareceu-me bem, ó mui excelente Amigo de Deus, dar-te por escrito uma
narração em ordem, para que conheças a verdade das coisas em que foste
instruído". É um claro convite a todo "excelente cristão" para
penetrar as revelações profundas que ele esconde sobre alegorias, como a
"pérola de grande valor" ou o 'tesouro escondido no terreno do corpo
humano.
Publicado na revista Serviço
ROSACRUZ – Fev 1978
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